“Das
lembranças que eu gosto de ter”, as recordações da Itaguaçu dos anos 40 ocupam o
primeiro lugar. Lembrança é como a própria sombra, acompanha-nos a todos os
lugares, por todos os dias da vida, repletando nossa alma de ternas evocações.
Quando lá
cheguei em junho de 1944, na companhia dos irmãos e de nossos pais, o professor
Carlos Henrique Aurich e a farmacêutica Maria Emília de Azevedo Aurich, fazia 65
anos que os primeiros colonizadores haviam chegado ali..
Lá estavam ainda
alguns dos pioneiros que deixaram suas pátrias para “fazer a América”,
enfrentando o sertão inóspito, a terra inculta, a densa mata, os perigos mil, as
doenças tropicais. Valério Coser (cidadão maravilhoso, sempre atencioso,
sorridente), Domingos Meneghel e outros podiam ver na década de 40 os frutos de
seus lavores.
Sessenta e cinco
anos contava a cidade. Quase menina ainda. Fomos a primeira família de origem
alemã a residir na sede. Depois, vieram os Kiepper e os Faller,.
Na sede,
existia apenas o templo católico. Adeptos de outras religiões apenas nós (ljhuteranos)
e uma família presbiteriana residente na antiga Rua Nova.
Na Igreja
Católica rezava-se missa em Latim. Proibia-se a leitura da Bíblia. Na Luterana,
ministrava-se o culto em alemão e a seguir em português, sendo habitual ler as
Escrituras.
Padre José
Gonçalves, sacerdote dinâmico, aberto, ampliou os horizontes da sociedade local.
Freqüentava nossa casa e costumava prosear com o pastor luterano lá.
Pequenina, mal
iluminada, postes de madeira, constituída por apenas onze ruas ainda não
pavimentadas, tinha, talvez, uns três mil habitantes, e oferecia poucas
oportunidades de lazer à criançada, que cuidava de criá-lo. Nas ruas, o futebol
corria solto. Bolas de borracha. Além dos rachas, banhos no rio, pescaria,
brincadeiras no jardim, (sela, pique, pião), colheita de laranjas e mexericas
nas roças próximas. Na época da manga, tiro ao alvo nas mangueiras de todos os
quintais, a fim de recolher frutos maduros.
Ir ao cinema,
autêntica festa. As cadeiras eram levadas de casa para o Marreta, um antigo depósito
de café. Esperava-se José Malta com ansiedade. Raramente faltava.
O Nacional era a
única equipe da década. Ali, despontavam Ivo Herzog, Drasto Poli, Atenogenio,
Aniceto, Norberto Frizeira e o habilidoso Zizinho. Craque mesmo.
O número de
atletas cresceu e assim o quadro de aspirantes deu origem ao Vasquinho, depois
denominado Fracasso, ambos ainda vinculados ao Nacional. Por fim, veio o
Terceiro, que fez o campo na estrada para Lajinha. O Terceiro deu origem ao
Esporte Clube Itaguaçu, isto em 05.07.53, razão pela qual muitos acreditavam que
seus jogadores fossem tecnicamente inferiores aos do Nacional, fato este
contestado pela realidade.
O Esporte foi
fundado por Omar Celestino Barbosa, recebendo colaboração irrestrita de Josias
Domingues dos Reis e Darli Majewski.. O lema LUTAR E VENCER foi sugerido por
Lenir Majewski, na época uma jovem de quinze anos.
No time de
aspirantes do Nacional havia Bel, um jogador singular. Bel chutava a bola sempre
para a frente, não importando para que lado fosse. Normalmente, ela ia parar no
Rio Santa Joana, que passava junto ao campo. E a turma gritava: ÁGUA, BEL! Era
uma festa. Bel “num tava nem aí”. Mais tarde, o leito do rio foi desviado e aí
acabou a graça.
Para consumo
doméstico, inclusive para beber, algumas famílias utilizavam água de cacimbas
próximas ao riacho de rua paralela à Rua Nova. O córrego, atualmente negro e
malcheiroso, era claro e limpo. Do fundo de tabatinga branca brotava água
cristalina.
Instalada a
estação de tratamento d’água e a canalização desta para as residências, ainda na
mesma década, o costume desapareceu.
Piscoso o Santa
Joana, variando a abundância de cada tipo de peixe conforme o local. Pescar era
um grande programa. Saía “batendo o anzol” de poço em poço, latinha cheia de
minhocas. Sabia onde encontrar cada espécie. Lambari, bocarra, cará, mandi,
peixe-flor, bagre, traíra, e, abaixo do açude da Fazenda Progresso, o piau (a
este nunca fui). Vez ou outra, embora raramente, pintava um cágado. Cascudo
(acari) retirava-o à mão das locas no córrego do Barro Preto em companhia de
outros meninos.
Na fazenda de
dona Elisa Bastos, saída para o Barro Preto, havia um brejo, onde abundavam as
preás. Na mesma região, no alto do monte, havia pequena mata e “pintava” um ou
outro macaco.
Lá por 1946, vi
algumas vezes cerca de duas dezenas de capivaras atravessando o rio. Saiam das
roças de “seu” Valério Coser. Em 1950, porém, indo para a fazenda de Henrique
Bucher (Fazenda Progresso), deparei-me com um grupo de caçadores que
transportava enorme capivara morta. De Zé Pim, motorista da prefeitura, ouvi
claramente e jamais esqueci: “esta é a última capivara do município”.
Quase todos os
anos, o rio alagava a cidade. Algumas enchentes se destacaram e uma delas lançou
água até o sopé do morro da igreja. Tudo alagado. Rua Nova, centro da cidade,
Niterói. Tudo mesmo. Em alguns trechos, correnteza assustadora somente vencida
por adultos. Às vezes, grandes árvores desciam o rio.
No Grupo Escolar
Thiers Veloso, os costumes em vigor eram, além de muito estudo, tabuada todos os
dias, montanhas de deveres de casa, a régua, os beliscões, o ficar de joelhos na
sala-de-aula. Mas tudo valeu a pena, até mesmo os castigos físicos, pois
aprendíamos de fato. Os pais não interferiam, as professoras tinham carta branca
e gozavam de grande respeito na comunidade.
Mas há uma
lembrança de que jamais quero me apartar. Trata-se do soldado Augusto. Num tempo
em que muitos se destacavam pela violência, Augusto se notabilizava pela
humildade e respeito ao próximo. Bondoso e humilde. Havia, na cidade, um cidadão
que aos sábados ia tomar suas pingas no armazém de Gustavo Kiepper. Depois de
umas e outras, encostava-se na parede e, ou dormia, ou passava a incomodar os
transeuntes.
Determinaram a
Augusto que fosse buscá-lo.O beberrão “deu a testa”, resistiu à prisão, e disse
que só iria de carro. Augusto providenciou carrinho de mão e transportou o
pinguço até a cadeia, onde curaria a bebedeira. Isto quase todos os sábados. No
dia seguinte, liberavam-no.E assim se passaram os anos. Irreverente, a garotada
gritava: “aí, fulano, passeando de automóvel” O “bebum” se inflava, sentindo-se
o máximo. Augusto sorria.
A década de 50
trouxe ainda uma grande novidade: o Faixa Azul, no Niterói. Pintado de azul e
branco, tal como determinada cerveja da época. A propósito, era costume dizer:
“me dá aí uma Brahma da Antártica”. No Faixa Azul, abrigaram-se algumas damas da
noite. Ao cair da tarde, pouco depois das 18 horas, processava-se a romaria em
direção ao bordel. Era homem que não acabava mais, indo ao prostíbulo. Senhoras
e jovens de máximo respeito ficavam ou nas janelas, ou na porta das casas,
observando os passantes. No dia seguinte, alardeavam-se os nomes dos
freqüentadores. Seis meses seu período de duração.
A década de 50
trouxe grandes avanços para a cidade, ao contrário do que sucedia ao Rio Santa
Joana que minguava rapidamente, registrando visíveis sinais de assoreamento.
Então, já não passava dos doze metros de largura por um metro de profundidade,
em média.
A instalação
do Banco da Lavoura de Minas Gerais S/A, em 19.03.1950, primeira agência local.;
implantação do Ginásio de Itaguaçu, sob responsabilidade da CNEG- Campanha
Nacional de Educandários Gratuitos (21.09.52), depois encampado pelo Estado,
passando a denominar-se (em 1957) Colégio Estadual e Escola Normal de Itaguaçu;
fundação do Esporte Clube Itaguaçu (05.07.53); implantação do Posto de Higiene
(01.06.53); inauguração do Cine Esperança, em 15.06.56.
(Dados e datas
retiradas do livro INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DE ITAGUAÇU, do professor Carlos
Henrique Aurich).
A adolescência
vivida praticamente em Vitória. D’aí, poucas recordações locais, excetuando-se
aquelas dos períodos feriais. Deixara de ser criança, tinha outras motivações em
mente, desaparecera o mundo encantado do menino.
Tudo passa na
vida, apenas as lembranças teimam em permanecer.
Cortesia enviada por Norberto Aurich
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